quinta-feira, 13 de setembro de 2012


                     

 O CANTO DOS POETAS


               
     CALAFATE – O CANTADOR DE SETÚBAL

                                          VISTO POR UM BISNETO


     Rogério Peres Claro nasceu em Setúbal em 1921. Licenciado em Filologia Românica, foi professor do Ensino Técnico, jornalista e deputado à antiga Assembleia Nacional. É bisneto do poeta popular António Maria Eusébio, conhecido como “O Calafate”. Teve a gentileza de preparar para “O Canto dos Poetas” o artigo que se segue.


      Em 29 de Dezembro de 1968 foi inaugurado no Parque do Bonfim, por iniciativa do Rotary Club local, um busto em bronze do poeta popular setubalense António Maria Eusébio, falecido em 22 de Novembro de 1911. Estive presente à cerimónia, a convite do Rotary, na minha condição de bisneto, nascido em 6 de Outubro de 1921, dez anos após a sua morte. Tinha eu então, em 1968, 47 anos de idade e desempenhava as funções de director da actual Escola Sebastião da Gama e de deputado pelo distrito de Setúbal na Assembleia Nacional.
      Desde então, cresceu em mim a obrigação de dar a conhecer aos setubalenses do meu tempo a obra poética meu bisavô, que ficara conhecido pelo apelido de Calafate, pela profissão que desempenhara, e por Cantador de Setúbal, pelos versos da sua autoria que cantara até aos 90 anos.
       Rebusquei então na Imprensa da época as referências feitas à sua actividade de poeta e cantador e entre os papéis de familiares e de amigos. Assim cheguei a reunir 26.220 linhas de versos, sendo 9160 agrupadas em décimas.
       Com tanto material, foi-me possível elaborar os seguintes três livros de “VERSOS DO CANTADOR DE SETÚBAL”:

       Primeiro livro – Editado em 1985 na empresa tipográfica Ulmeiro, de Lisboa, abrangendo as recordações da vida do poeta, que ele narra em décimas a partir de 1906 e vividas por ele a partir de 1828. “Nessas recordações - diria o general Henrique das Neves, grande amigo do poeta, que fomentou a impressão dos primeiros folhetos - vemos desenrolar-se a vida de um proletário, de um plebeu, filho de pescadores, gente pobríssima; a história da luta de quem veio ao mundo desprotegidos dos outros e que, portanto, na vida do trabalho, teve de abrir caminho só pelo seu esforço. Assim foi que este analfabeto chegou honradamente aos 92 anos de idade. Do mesmo espaço, ele veio-nos contando o que viu, as grandes tragédias de que foi testemunha em parte. E como ele soube ver e observar! E que memória tão boa ainda hoje!”

       Segundo livro – Editado tal como o primeiro em 1985, o segundo volume (de 167 páginas) reflecte os grandes e pequenos acontecimentos da vida de todos os dias em Setúbal, como seu repórter tratando da perseguição religiosa, das festas populares, das posturas municipais, dos terrores do povo e dos casos de soalheiro.

       Terceiro livro – Só em 2008 veio a ser editado o terceiro e último volume dos versos do Cantador de Setúbal, agora pela empresa Corlito/Setúbal e em edição do Centro de Estudos Bocageanos. É um grosso volume de 341 páginas, no qual se descobre para além do poeta-repórter da cidade, o homem com as suas dores, as suas angústias, as suas desilusões.

       São três livros que nos dão a conhecer um setubalense que acompanhou a sua longa e rude vida de trabalhador no mar com uma produção literária merecedora dos elogios dos grandes escritores da sua época, de valor reconhecido até aos dias de hoje. Nascido em Setúbal em 1819, António Maria Eusébio nela constituiu a sua família e nela mereceu os elogios públicos que hoje o engrandecem cada vez mais: tem o nome gravado na rua e na casa onde nasceu; tem busto de bronze no Jardim onde cantou os seus versos; tem dignamente publicada toda a sua obra literária; foi há pouco agraciado com a medalha municipal de Actividades Culturais em cerimónia pública e na presença da família que na cidade continua a dignificá-lo cem anos após a sua morte. Com esta homenagem, António Maria Eusébio entrou definitivamente na galeria dos grandes poetas setubalenses.
 
                      Rogério Claro

                     

                           DE QUE SERVE A POESIA?


                                   De que serve a Poesia

                             a um homem como eu?

                             Para viver pobremente
                             como Bocage viveu.



                    De que serve o bom talento

                    num homem sem ter fortuna?
                    se lhe falta esta coluna
                    não lhe dão merecimento.
                    Até o fraco alimento
                    às vezes ninguém lhe fia
                    outras vezes passa o dia
                    sem almoço ou sem jantar.
                    E vão-lhe então perguntar
                        de que serve a Poesia?

                    Só para o comprometer
                    nalgumas obras que fez
                    serve para a estupidez
                    de até dele escarnecer.
                    Para o fazer padecer
                    o que alguém já padeceu
                    serve p`ra não ter de seu
                    às vezes nem um vintém.
                    Esse serviço está bem
                        a um homem como eu.

                    Serve p`ra ser desonrado
                    sem motivo nem razão
                    ter nome de mandrião
                    quem tanto tem trabalhado.
                    Serve p`ra andar mal trajado
                    serve p`ra andar indecente
                    e p`ra quando está doente
                    não ter nenhum tratamento.
                    Quem serve p`ra tal tormento
                        é p`ra viver pobremente.

                    De que serve a um pobre homem
                    cantar ou tocar viola?
                    Só para pedir esmola
                    p`ra pagar o pão que come.
                    Serve para sofrer fome
                    quando alguém não lhe valeu.
                    Serve enquanto não morreu
                    para sentir o que sinto
                    ora farto, ora faminto
                        como Bocage viveu.


                                      OS NOSSOS POETAS


     O MENDIGO


O pobre mendigo,

Vivendo na rua!
Chamam-lhe sem abrigo,
Tem por luz a da lua!

Nada tem de seu,
Vagueando pelas ruas!
Será cristão ou ateu?
Mostra suas carnes nuas!

Vivendo de caridade,
Olhado com indiferença!
Suportando a maldade,
Não tem lar nem dispensa

Dorme onde calha,
Na noite gelada!
Que Deus lhe valha,
E ache um vão de escada!
  
Agasalha-se com farrapos,
Tapa-se com caixas de cartão!
As roupas são trapos,
Que algumas almas lhe dão!

Desprezados da sociedade,
Ignorados por todos!
Neste mundo de maldade,
Passam fome a rodos!

Lembrados pelo Natal,
Ou no rigoroso inverno!
Por ser dia especial,
Terão um dia fraterno!

Arrastam os anos de vida,
Já indiferentes ao mundo!
Existência muito corroída,
Vida de pobre vagabundo!

A morte deixa-os indiferentes,
Porta aberta de salvação!
São pedintes indigentes,
Findam a vida sem condição

                        J. Rodrigues




             O DESTINO DAS FLORES…

Até nas próprias flores

Se nota a pouca sorte;

Umas enfeitam os Amores,
Outras enfeitam a morte!...

Se a estrada da vida é má,
Não vale a pena de clamores;
Triste sorte também há,
Até nas próprias flores…

Se tiraram teus valores,
Procura seres a mais forte;
Olha que até nas flores,
Se nota a pouca sorte…

As flores são todas lindas,
No seu estilo e nas cores;
Nem todas são preferidas,
Umas enfeitam os Amores!...

Em cada ramo de flores,
Há um destino tão forte:
Umas unem os amores,
Outras enfeitam a morte!...

                Mavilde Baião


                  BOLA

As audiências da bola
Devem-se em larga medida
À propaganda que rola
Manipulando a torcida.

A prova desta verdade
É que onde não existe
Tão grande publicidade
O futebol não resiste.

O hóquei também “mereceu”
Por cá cartel de arromba,
Mas pouco sobreviveu
Ao frade de Santa Comba…

Veja-se o caricato
Futebol americano,
Mas para eles um prato
De paladar soberano…

Já sabia um tal Ford
Que a propaganda é cortina
Fazendo dum fraco acorde
Uma sonata divina.

Antes do homem na lua,
Apoucando-lhes a obra,
Já lá estava a falcatrua
Vendendo banha de cobra…

                 Francisco Pratas


                    DICAS SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO


     Tem havido muito desacordo no que ao Acordo Ortográfico respeita. Alguns adultos preferem escrever como sempre fizeram. No entanto, ele foi adotado nas escolas e muitos dos nossos associados têm filhos e netos. Para facilitar o diálogo com eles em termos de escrita, O Canto dos Poetas vai publicar algumas das alterações mais importantes introduzidas na escrita oficial portuguesa.
     O alfabeto português, que tinha 23 letras, passa a ter 26 pela introdução do K (capa ou cá), do W (dâblio ou duplo V) e do Y (ípsilon ou i grego). São usados em:
     nomes próprios e seus derivados, como Wagner e Darwin,

     unidades monetárias, como Kwanza

  símbolos de uso internacional, como K (potássio) e kg (quilograma)

     topónimos, como Washington

     desportos, como windsurfe.

     Hoje ficamos por aqui, para não abusarmos da paciência dos leitores.
                                                                                             A.T.



                              ALCÁCER DO SAL

                    AS SUAS LENDAS E OS SEUS MITOS

Adicionar legenda

O concelho de Alcácer do Sal é o maior concelho do Distrito de Setúbal, pois tem uma área de 1 456 km2 e 14 287 habitantes (último senso) distribuídos pelas suas 6 freguesias; lamentavelmente, Alcácer não tem ligação directa com o Oceano Atlântico, vítima de uma má divisão administrativa, imposta sem qualquer sentido lógico.
Alcácer do Sal é uma terra antiquíssima, pois a presença humana tem lugar desde há cerca de 40 000 anos. A atestá-lo, estão os artefactos recolhidos um pouco por toda a região.
Já teve diversos nomes ao longo dos milénios. É uma das cidades mais antigas da Europa, fundada pelos fenícios 1.000 anos A.C. Pela sua importância e grandeza, emparceirava com Setúbal e Lisboa. Sempre foi palco de ocupações sucessivas por populações cujas origens se perdem na noite dos tempos.
Esta região, com a chegada dos romanos aí por volta do ano 130 A.C, era bastante desenvolvida. Os seus habitantes descendiam da mestiçagem dos naturais com os celtas e com outros povos que em deslocações pacíficas se foram caldeando.
Com a romanização a cidade passou a ser designada por Salácia Urbs Imperatória com estatuto de cidade de Direito Latino e tinha o poder de cunhar moeda. Os romanos impulsionaram o desenvolvimento da pesca e da indústria conserveira assim como desenvolveram também a indústria da cerâmica para que pudessem exportar as suas conservas.
No século I D.C. era já uma região mais que autossuficiente, o seu desenvolvimento era tal, que se afirmou como centro de exportação em larga escala, de conservas, sal, cereais, lã, cavalos e construção naval. O seu porto fluvial era seguro e de entrada fácil e a demanda ao Oceano Atlântico era sem perigo.
A ocupação romana ocorreu desde o ano de 130 A.C. ao ano 409 D.C. data em que começou o desmoronamento do império.
A partir de 409 foi uma época de correrias, razias, desencadeadas pelos Vândalos, Alanos e Suevos, povos que migraram do centro da Europa; foi um período curto, mas de muita destruição e estagnação que durou até ao ano 465, altura em que o império Visigótico se impôs, passando dominar a região.




No tempo dos visigodos a região recuperou e até prosperou. Foi uma época de acalmia. Nos anos 712/715, tropas islâmicas, atravessaram em massa o estreito de Gibraltar invadindo a Península Ibérica, que de escaramuça em escaramuça foram ocupando vastas áreas até que derrotaram definitivamente os visigodos na célebre batalha de Guadalete, ocupando praticamente toda a Península.
Sob a administração árabe a cidade de Salácia passou a ser designada por Alcácer do Sal. O seu desenvolvimento foi imenso, sob a égide sarracena atingindo o apogeu em esplendor.
No ano 997 os sarracenos organizaram em Alcácer uma esquadra e foram atacar Santiago de Compostela, onde provocaram grandes estragos, regressando com um rico saque.
Quando os cristãos se apossaram de Palmela e passaram a campear por toda a margem direita do rio Sado, em razias e pilhagens constantes, com hostilização permanente à navegação rio acima, a vida começou a tornar-se difícil em Alcácer do Sal, o que levou a cidade a entrar em declínio. Esta situação atingiu tal magnitude que toda área a norte de Alcácer passou a ser terra de ninguém.
Em 1158 D. Afonso Henriques organizou uma surtida, que foi bem-sucedida, culminando na conquista da cidade. O conquistador não permitiu a pilhagem do burgo e, até foi bastante magnânimo com população, negociando com os seus representantes a sua permanência, assim como a posse dos seus bens, a par de poderem exercer as suas actividades desde que pagassem o tributo anual e ao mesmo tempo mostrassem obediência e acatamento às determinações afonsinas. Após este acordo, e a execução de obras de restauro nas estruturas defensivas, D. Afonso Henriques instalou um forte contingente militar no castelo e nomeou o seu alcaide para governação da cidade. Confiante partiu de regresso a Lisboa. Depois da cessação das hostilidades a cidade voltou ao seu antigo dinamismo, os mercadores recomeçaram a sua actividade, a terra voltou a ser produtiva, e a vida recompôs-se.
Passados poucos anos de governação cristã, a cidade voltou novamente à posse da moirama, e segundo consta, com a cumplicidade da população. A guarnição afonsina foi totalmente dizimada.
Em 1217 D. Afonso II, com a ajuda duma esquadra de cruzados que se dirigia à Terra Santa, reconquistou a cidade de Alcácer após feroz cerco e os seus habitantes foram impedidos de sair. Depois do saque consumado, tudo o que estava vivo dentro das muralhas foi passado a fio de espada, como represália pela população ter quebrado o seu antigo compromisso de obediência. As leis da guerra eram impiedosas, esta prática era de uso comum naquela época.
A cripta do edifício da Pousada, em termos arqueológicos é de uma riqueza sem paralelo, tem um percurso muito bem delineado, onde é possível observar vestígios em diversos estratos, deixados pelas gerações que por ali passaram ao longo de três milénios.
Tudo está devidamente legendado. Uma visita mesmo apressada não se faz em menos de duas horas. As visitas organizadas podem ser acompanhadas por um técnico que em termos de informação chega ao pormenor.

                                                          Henrique Mateus





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