O CANTO DOS POETAS
CALAFATE – O CANTADOR DE SETÚBAL
VISTO POR UM BISNETO
Rogério Peres Claro nasceu em
Setúbal em 1921. Licenciado em Filologia Românica, foi professor do Ensino
Técnico, jornalista e deputado à antiga Assembleia Nacional. É bisneto do poeta
popular António Maria Eusébio, conhecido como “O Calafate”. Teve a gentileza de
preparar para “O Canto dos Poetas” o artigo que se segue.
Em 29 de Dezembro de 1968 foi inaugurado
no Parque do Bonfim, por iniciativa do Rotary Club local, um busto em bronze do
poeta popular setubalense António Maria Eusébio, falecido em 22 de Novembro de
1911. Estive presente à cerimónia, a convite do Rotary, na minha condição de
bisneto, nascido em 6 de Outubro de 1921, dez anos após a sua morte. Tinha eu
então, em 1968, 47 anos de idade e desempenhava as funções de director da
actual Escola Sebastião da Gama e de deputado pelo distrito de Setúbal na
Assembleia Nacional.
Desde então, cresceu em mim a obrigação
de dar a conhecer aos setubalenses do meu tempo a obra poética meu bisavô, que
ficara conhecido pelo apelido de Calafate, pela profissão que desempenhara, e
por Cantador de Setúbal, pelos versos da sua autoria que cantara até aos 90
anos.
Rebusquei então na Imprensa da época as
referências feitas à sua actividade de poeta e cantador e entre os papéis de
familiares e de amigos. Assim cheguei a reunir 26.220 linhas de versos, sendo
9160 agrupadas em décimas.
Com tanto material, foi-me possível
elaborar os seguintes três livros de “VERSOS DO CANTADOR DE SETÚBAL”:
Primeiro livro – Editado em 1985 na
empresa tipográfica Ulmeiro, de Lisboa, abrangendo as recordações da vida do
poeta, que ele narra em décimas a partir de 1906 e vividas por ele a partir de
1828. “Nessas recordações - diria o general Henrique das Neves, grande amigo do
poeta, que fomentou a impressão dos primeiros folhetos - vemos desenrolar-se a
vida de um proletário, de um plebeu, filho de pescadores, gente pobríssima; a
história da luta de quem veio ao mundo desprotegidos dos outros e que,
portanto, na vida do trabalho, teve de abrir caminho só pelo seu esforço. Assim
foi que este analfabeto chegou honradamente aos 92 anos de idade. Do mesmo espaço,
ele veio-nos contando o que viu, as grandes tragédias de que foi testemunha em
parte. E como ele soube ver e observar! E que memória tão boa ainda hoje!”
Segundo livro – Editado tal como o
primeiro em 1985, o segundo volume (de 167 páginas) reflecte os grandes e
pequenos acontecimentos da vida de todos os dias em Setúbal, como seu repórter
tratando da perseguição religiosa, das festas populares, das posturas
municipais, dos terrores do povo e dos casos de soalheiro.
Terceiro livro – Só em 2008 veio a ser
editado o terceiro e último volume dos versos do Cantador de Setúbal, agora
pela empresa Corlito/Setúbal e em edição do Centro de Estudos Bocageanos. É um
grosso volume de 341 páginas, no qual se descobre para além do poeta-repórter da
cidade, o homem com as suas dores, as suas angústias, as suas desilusões.
São três livros que nos dão a conhecer
um setubalense que acompanhou a sua longa e rude vida de trabalhador no mar com
uma produção literária merecedora dos elogios dos grandes escritores da sua
época, de valor reconhecido até aos dias de hoje. Nascido em Setúbal em 1819,
António Maria Eusébio nela constituiu a sua família e nela mereceu os elogios
públicos que hoje o engrandecem cada vez mais: tem o nome gravado na rua e na
casa onde nasceu; tem busto de bronze no Jardim onde cantou os seus versos; tem
dignamente publicada toda a sua obra literária; foi há pouco agraciado com a
medalha municipal de Actividades Culturais em cerimónia pública e na presença
da família que na cidade continua a dignificá-lo cem anos após a sua morte. Com
esta homenagem, António Maria Eusébio entrou definitivamente na galeria dos
grandes poetas setubalenses.
Rogério Claro
DE QUE SERVE A POESIA?
De que serve a Poesia
a um homem como eu?
Para
viver pobremente
como Bocage viveu.
como Bocage viveu.
De
que serve o bom talento
num
homem sem ter fortuna?
se
lhe falta esta coluna
não
lhe dão merecimento.
Até
o fraco alimento
às
vezes ninguém lhe fia
outras
vezes passa o dia
sem
almoço ou sem jantar.
E
vão-lhe então perguntar
de
que serve a Poesia?
Só
para o comprometer
nalgumas
obras que fez
serve
para a estupidez
de
até dele escarnecer.
Para
o fazer padecer
o
que alguém já padeceu
serve
p`ra não ter de seu
às
vezes nem um vintém.
Esse
serviço está bem
a
um homem como eu.
Serve
p`ra ser desonrado
sem
motivo nem razão
ter
nome de mandrião
quem
tanto tem trabalhado.
Serve
p`ra andar mal trajado
serve
p`ra andar indecente
e
p`ra quando está doente
não
ter nenhum tratamento.
Quem
serve p`ra tal tormento
é
p`ra viver pobremente.
De
que serve a um pobre homem
cantar
ou tocar viola?
Só
para pedir esmola
p`ra
pagar o pão que come.
Serve
para sofrer fome
quando
alguém não lhe valeu.
Serve
enquanto não morreu
para
sentir o que sinto
ora
farto, ora faminto
como
Bocage viveu.
OS NOSSOS POETAS
O MENDIGO
O pobre mendigo,
Vivendo na rua!
Chamam-lhe sem abrigo,
Tem por luz a da lua!
Nada tem de seu,
Vagueando pelas ruas!
Será cristão ou ateu?
Mostra suas carnes nuas!
Vivendo de caridade,
Olhado com indiferença!
Suportando a maldade,
Não tem lar nem dispensa
Dorme onde calha,
Na noite gelada!
Que Deus lhe valha,
E ache um vão de escada!
Agasalha-se com farrapos,
Tapa-se com caixas de cartão!
As roupas são trapos,
Que algumas almas lhe dão!
Desprezados da sociedade,
Ignorados por todos!
Neste mundo de maldade,
Passam fome a rodos!
Lembrados pelo Natal,
Ou no rigoroso inverno!
Por ser dia especial,
Terão um dia fraterno!
Arrastam os anos de vida,
Já indiferentes ao mundo!
Existência muito corroída,
Vida de pobre vagabundo!
A morte deixa-os indiferentes,
Porta aberta de salvação!
São pedintes indigentes,
Findam a vida sem condição
J. Rodrigues
O DESTINO DAS FLORES…
Até nas próprias flores
Se nota a pouca sorte;
Umas enfeitam os Amores,
Outras enfeitam a morte!...
Se a estrada da vida é má,
Não vale a pena de clamores;
Triste sorte também há,
Até nas próprias flores…
Se tiraram teus valores,
Procura seres a mais forte;
Olha que até nas flores,
Se nota a pouca sorte…
As flores são todas lindas,
No seu estilo e nas cores;
Nem todas são preferidas,
Umas enfeitam os Amores!...
Em cada ramo de flores,
Há um destino tão forte:
Umas unem os amores,
Outras enfeitam a morte!...
Mavilde Baião
BOLA
As audiências da bola
Devem-se em larga medida
À propaganda que rola
Manipulando a torcida.
A prova desta verdade
É que onde não existe
Tão grande publicidade
O futebol não resiste.
O hóquei também “mereceu”
Por cá cartel de arromba,
Mas pouco sobreviveu
Ao frade de Santa Comba…
Veja-se o caricato
Futebol americano,
Mas para eles um prato
De paladar soberano…
Já sabia um tal Ford
Que a propaganda é cortina
Fazendo dum fraco acorde
Uma sonata divina.
Antes do homem na lua,
Apoucando-lhes a obra,
Já lá estava a falcatrua
Vendendo banha de cobra…
Francisco Pratas
DICAS SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO
Tem havido muito desacordo no que
ao Acordo Ortográfico respeita. Alguns adultos preferem escrever como sempre
fizeram. No entanto, ele foi adotado nas escolas e muitos dos nossos associados
têm filhos e netos. Para facilitar o diálogo com eles em termos de escrita, O
Canto dos Poetas vai publicar algumas das alterações mais importantes introduzidas
na escrita oficial portuguesa.
O alfabeto português, que tinha
23 letras, passa a ter 26 pela introdução do K (capa ou cá), do W (dâblio
ou duplo V) e do Y (ípsilon ou i grego). São usados em:
nomes próprios e seus derivados,
como Wagner e Darwin,
unidades monetárias, como Kwanza
símbolos de uso internacional,
como K (potássio) e kg (quilograma)
topónimos, como Washington
desportos, como windsurfe.
Hoje ficamos por aqui, para não
abusarmos da paciência dos leitores.
A.T.
No tempo dos visigodos a região recuperou e até prosperou. Foi uma época de acalmia. Nos anos 712/715, tropas islâmicas, atravessaram em massa o estreito de Gibraltar invadindo a Península Ibérica, que de escaramuça em escaramuça foram ocupando vastas áreas até que derrotaram definitivamente os visigodos na célebre batalha de Guadalete, ocupando praticamente toda a Península.
ALCÁCER DO SAL
AS SUAS LENDAS E OS SEUS MITOS
AS SUAS LENDAS E OS SEUS MITOS
O concelho de Alcácer do Sal é o maior concelho do Distrito
de Setúbal, pois tem uma área de 1 456 km2 e 14 287 habitantes (último senso) distribuídos
pelas suas 6 freguesias; lamentavelmente, Alcácer não tem ligação directa com o
Oceano Atlântico, vítima de uma má divisão administrativa, imposta sem qualquer
sentido lógico.
Alcácer do Sal é uma terra antiquíssima, pois a presença
humana tem lugar desde há cerca de 40 000 anos. A atestá-lo, estão os
artefactos recolhidos um pouco por toda a região.
Já teve diversos nomes ao longo dos milénios. É uma das
cidades mais antigas da Europa, fundada pelos fenícios 1.000 anos A.C. Pela sua
importância e grandeza, emparceirava com Setúbal e Lisboa. Sempre foi palco de
ocupações sucessivas por populações cujas origens se perdem na noite dos
tempos.
Esta região, com a chegada dos romanos aí por volta do ano
130 A.C, era bastante desenvolvida. Os seus habitantes descendiam da mestiçagem
dos naturais com os celtas e com outros povos que em deslocações pacíficas se
foram caldeando.
Com a romanização a cidade passou a ser designada por Salácia
Urbs Imperatória com estatuto de cidade de Direito Latino e tinha o poder de
cunhar moeda. Os romanos impulsionaram o desenvolvimento da pesca e da
indústria conserveira assim como desenvolveram também a indústria da cerâmica
para que pudessem exportar as suas conservas.
No século I D.C. era já uma região mais que autossuficiente,
o seu desenvolvimento era tal, que se afirmou como centro de exportação em
larga escala, de conservas, sal, cereais, lã, cavalos e construção naval. O seu
porto fluvial era seguro e de entrada fácil e a demanda ao Oceano Atlântico era
sem perigo.
A ocupação romana ocorreu desde o ano de 130 A.C. ao ano 409
D.C. data em que começou o desmoronamento do império.
A partir de 409 foi uma época de correrias, razias,
desencadeadas pelos Vândalos, Alanos e Suevos, povos que migraram do centro da
Europa; foi um período curto, mas de muita destruição e estagnação que durou
até ao ano 465, altura em que o império Visigótico se impôs, passando dominar a
região.
No tempo dos visigodos a região recuperou e até prosperou. Foi uma época de acalmia. Nos anos 712/715, tropas islâmicas, atravessaram em massa o estreito de Gibraltar invadindo a Península Ibérica, que de escaramuça em escaramuça foram ocupando vastas áreas até que derrotaram definitivamente os visigodos na célebre batalha de Guadalete, ocupando praticamente toda a Península.
Sob a administração árabe a cidade de Salácia passou a ser
designada por Alcácer do Sal. O seu desenvolvimento foi imenso, sob a égide
sarracena atingindo o apogeu em esplendor.
No ano 997 os sarracenos organizaram em Alcácer uma esquadra
e foram atacar Santiago de Compostela, onde provocaram grandes estragos,
regressando com um rico saque.
Quando os cristãos se apossaram de Palmela e passaram a
campear por toda a margem direita do rio Sado, em razias e pilhagens
constantes, com hostilização permanente à navegação rio acima, a vida começou a
tornar-se difícil em Alcácer do Sal, o que levou a cidade a entrar em declínio.
Esta situação atingiu tal magnitude que toda área a norte de Alcácer passou a
ser terra de ninguém.
Em 1158 D. Afonso Henriques organizou uma surtida, que foi
bem-sucedida, culminando na conquista da cidade. O conquistador não permitiu a
pilhagem do burgo e, até foi bastante magnânimo com população, negociando com
os seus representantes a sua permanência, assim como a posse dos seus bens, a
par de poderem exercer as suas actividades desde que pagassem o tributo anual e
ao mesmo tempo mostrassem obediência e acatamento às determinações afonsinas.
Após este acordo, e a execução de obras de restauro nas estruturas defensivas,
D. Afonso Henriques instalou um forte contingente militar no castelo e nomeou o
seu alcaide para governação da cidade. Confiante partiu de regresso a Lisboa.
Depois da cessação das hostilidades a cidade voltou ao seu antigo dinamismo, os
mercadores recomeçaram a sua actividade, a terra voltou a ser produtiva, e a
vida recompôs-se.
Passados poucos anos de governação cristã, a cidade voltou
novamente à posse da moirama, e segundo consta, com a cumplicidade da
população. A guarnição afonsina foi totalmente dizimada.
Em 1217 D. Afonso II, com a ajuda duma esquadra de cruzados
que se dirigia à Terra Santa, reconquistou a cidade de Alcácer após feroz cerco
e os seus habitantes foram impedidos de sair. Depois do saque consumado, tudo o
que estava vivo dentro das muralhas foi passado a fio de espada, como
represália pela população ter quebrado o seu antigo compromisso de obediência.
As leis da guerra eram impiedosas, esta prática era de uso comum naquela época.
A cripta do edifício da Pousada, em termos arqueológicos é de
uma riqueza sem paralelo, tem um percurso muito bem delineado, onde é possível
observar vestígios em diversos estratos, deixados pelas gerações que por ali
passaram ao longo de três milénios.
Tudo está devidamente legendado. Uma visita mesmo apressada
não se faz em menos de duas horas. As visitas organizadas podem ser
acompanhadas por um técnico que em termos de informação chega ao pormenor.
Henrique Mateus
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