O CANTO DOS POETAS

Entra Maio e faz anos o Núcleo de Poesia. Não dá jeito comemorar o aniversário no dia certo, mas creio que pouco se perderá pela demora. Vamos assinalá-lo com o nosso Piquenique com Poesia, no dia 16 (quinta-feira), no Parque da Comenda. A concentração é às 10.30.

OS NOSSOS POETAS

ADEUS AO ECO DAS PALAVRAS

Já não há mais palavras

Já esgotei todo o meu vocabulário

Perdi pela rua, uma a uma, as letras com que escrevia teu nome

Já não tenho voz, não tenho mais forças

para soletrar um nome feito só de sonhos

Perdi pela rua o eco das palavras

Esgotei em mim as forças e o som da tua voz

Saiu do ar o perfume do teu perfume

Perdi pela rua, um a um, o som das letras do teu nome

Gastei o relógio na ânsia de viver

Gastei a alma de tanto esperar

Gastei tudo menos o silêncio de ti

Gastei as palavras bonitas que queria dizer-te

Perdi pela rua o eco dos teus passos

Fiquei somente com o desejo dos teus abraços

Teu pérfido amor, esgotou-me os sentidos

Meus sonhos se foram como nuvens correndo

Gastei as palavras bonitas que queria dizer-te

Perdi-me pela rua, onde o sol não pôs mais cor

Gastei em mim os pedaços esfarrapados

daquilo que eu julguei ter sido amor.

Maria Dores Amado

RAZÕES

Penso às vezes

Que de joelhos gostaria de morrer

Mas lembro-me também que já não rezo

Tal razão não sei

Qualquer coisa que eu mesmo esqueci

E tenho pena

Mas que importa a diferença

Se um dia morta

Os degraus que me levam ao céu

São os mesmos por onde subiram os génios.

Maria Helena Freire

HUGO CHAVES

Depois de "morto" mil vezes
Por manipulações graves
Da imprensa dos burgueses,
Morreu hoje Hugo Chaves.

Dois mil e treze funesto,
Com um Março, dia cinco,
Matando esse homem honesto
Que cá deixou um bom vinco.

Vinco de luta insana
Contra quem vive roubando
A dignidade humana
A favor dum torpe bando!

Bando sem lei e sem luz
Que não cultiva um pão
E leva a quem o produz
Fome e humilhação!

Arriba Venezuela!
Morreu o teu Presidente,
Que esta sacudidela
Não te impeça de ir em frente!

Francisco Pratas

A Mentira

Esta quadra que vos deixo

A propósito, fica mesmo a calhar

È do poeta António Aleixo

E é sobre o tema a abordar.

A mentira para ser segura

E atingir profundidade

Tem que trazer á mistura

Qualquer coisa de verdade.

Eu penso que nunca é tarde

Para denunciar quem mente e delira

Dizendo que a mentira é verdade

Ou afirmar que a verdade é mentira.

Também há a mentira piedosa

Para suavizar um mau bocado

Essa nunca será maldosa

Porque o seu fim é justificado.

Toda, mas toda, a gente mente

Quem diz que não mente, mente

Aquele que não mentir que se levante

Não fique ai sentado de olhar distante

Ah! Não se levantou, mente, eu acredito

E sabem porquê? Por que eu também minto.

Henrique Mateus

NASCER DA TERRA

Conta a história perdida,

a despertar consciências

sobre a vida na Terra;

Planeta de sonho e viver

nasceu em solo Alentejano,

como segredo humano.

Em Marte foi descoberta

bactéria, igual conhecida

...nisso fala a ciência;

existe nas termas,

na água, na serra

que olham ao padecer

naquela janela aberta.

Alentejo foi escolhido,

Cabeço de Vide, Fronteira

...em que divagam mistérios,

à sombra do belo montado!

Este globo vestindo,

de contorno definido

beijando a Terra inteira.

Floresceram impérios

entre sangue derramado

com o mar à sua beira!

Inácio J. M. Lagarto

FIGURAS DESTA CIDADE

Nascido nesta cidade,

Uma figura bem conhecida!

Seria homem de meia-idade,

Que sabia levar a vida!

Operário na fábrica de conservas,

Resolveu mudar a situação!

Bem-falante, sem reservas,

Foi bem rápida a conversão!

Conhecido por Almeida bruxo,

Morava entre duas ruas!

Por isso, dava-se ao luxo,

De desvendar; coisas suas!

As pacientes iam pela frente,

Sua esposa ia fazendo falar!

O Almeida “bruxo”inteligente",

Estava na cozinha a escutar!

Depois das coitadas desembucharem,

Saía ele, pela porta traseira!

Entrava pela da frente a gesticular,

Dizia; oh mulher, sei da sua vida inteira!

E em gestos muito extasiados,

Levantava os braços de seguida!

Com os olhos muito revirados,

Contava toda a conversa ouvida!

Lá ia dando o conselho certo,

Mandando as otárias embora!

Por vezes rondavam perto,

Saindo contentes pela rua fora!

Ao Almeida “bruxo” nada faltava,

Vivia uma vida lauta de fartura!
Na Fábrica já não trabalhava

Gozando e esquecendo a vida dura!

Na taberna bebia muito importante,

E em ar solene saudava dizendo;

Mais um à conta dum ignorante,

Era sempre assim que ia vivendo!

J. Rodrigues(Galeano)

Agrada-nos registar que se vai repetindo neste espaço a colaboração de jovens familiares dos nossos associados. Aconteceu com duas netas do Henrique Mateus e, agora, com a Catarina, de oito anos, neta da Maria Helena Freire.

O PRAZER DE LER

O prazer de ler,

é como se fosse um mundo de letras.

Nesse mundo é só

escrever, ler e sonhar.

É como se fosse um dominó.

Catarina Freire

VERSOS LIVRES

No cesto de basket

eu vou encestar

e não vou falhar

e depois vou festejar.

As flores do jardim

vou apanhar,

à minha família

as vou dar.

Com os meus pincéis

o cenário vou pintar,

o cenário do campo,

com os meus pincéis

o vou acabar.

Catarina Freire

CONTO

(Segunda parte)

III

Numa tarde bastante quente dos princípios do mês de Julho, a professora D. Leopoldina, após terminar a aula, pôs a criançada na rua, fechou a escola e dirigiu-se para sua casa atravessando o largo. Ao passar junto da oliveira, as mulheres que ali se encontravam meteram conversa e a D. Leopoldina acabou por sentar-se e ali ficou conversando animadamente, até que, o seu marido sr. Eng. Vaz de Carvalho regressou do trabalho, acabando também por sentar-se tomando parte na cavaqueira. E como a conversa estava animada ali ficaram pela tarde fora, até que chegou a altura de irem para casa, despediram-se e saíram.

Ali próximo os dois miúdos, o Zé Lagarto e o Zé da Fisga, jogavam ao pião. Mas assim que a senhora professora saiu com o marido, os rapazitos acompanharam-nos. O senhor engenheiro diz para a mulher: “para a semana começam as férias, aí num dia que calhe vou levar os miúdos comigo, andam para aí como que ao abandono.” Ao que a D. Leopoldina achou boa ideia e comentou: “no dia que pensares em levá-los diz-me, que é para levares a cesta do almoço bem aviada”. Como eles vinham mais atrás, chamaram-nos e ficou logo acertado que na próxima segunda feira, ás sete horas da manhã, sairiam no jipe e passariam todo dia fora, acompanhando o engenheiro no seu trabalho.

O Sr. Vaz de Carvalho era engenheiro agrário, trabalhava para uma empresa de fertilizantes que o destacou para dar apoio técnico ás herdades das redondezas, com as quais haviam sido celebrados protocolos de assistência. Esse apoio era essencialmente na elaboração dos planos anuais de exploração agrícola, especificando os diversos tipos de culturas ao longo do ano, a classificação dos solos e suas correcções, assim como os fertilizantes adequados e os produtos químicos necessários a combater as pragas infestantes, e, até algum apoio no maneio dos gados; porque só assim nesta base o Grémio da Lavoura atribuía os subsídios de compensações à agricultura.

Finalmente chegou a segunda-feira tão ansiosamente esperada pelos miúdos. À hora aprazada ali estavam eles prontos: instalaram-se no jipe e lá foram para o seu dia de aventuras com as cabecitas ignorantes imaginando coisas fabulosas. Nunca tinham assistido ao ruído do acordar da natureza, a vozearia da passarada, cada um procurando emitir o som mais alto para demarcar a área do seu território. O nascer do sol, aquela explosão de luz deslumbrante do começo do dia, deixaram os miúdos completamente aturdidos. O engenheiro ia atento ao pasmo das crianças e, como acérrimo defensor da natureza, conseguiu levá-los fazer o compromisso de que quando o acompanhassem não fariam uso da fisga. Começou por fazê-los ver que a morte dum pequenino pássaro ou de outro qualquer bicharoco poderia desencadear o descontrolo de toda uma cadeia de vida. Assim como atormentar a bicharada, esta passa a viver em estado de sítio não se reproduzindo em proles numerosas, o que redundará em menos bocas a alimentar, portanto com as consequências de determinada espécime aumentar em termos de população que se irá reflectir no equilíbrio do meio ambiente.

O engenheiro passou o dia na Herdade das Boiças acompanhando os trabalhadores que cuidavam dum vasto campo de milho para apuramento de semente híbrida, a sua presença era necessária porque a técnica a aplicar era um pouco complicada.

Este trabalho gerou confusão nos miúdos, mas o engenheiro pacientemente explicou que o milho estava semeado de forma a que uma vez as sementes germinadas, as plantas ficavam alinhadas em fileiras e que, alternadamente, aquando da floração, seria cortada a bandeira (flor) a uma das fileiras, cujas plantas são assim desprovidas de gâmetas transformando-as em fêmeas. Os estigmas das suas espigas (cabelos das maçarocas passarão a receber o pólen das plantas da outra fileira, conseguindo-se com esta técnica sementes de milho híbridas altamente produtivas.

Esse dia passou-se rapidamente, à tarde ao regressarem a casa os miúdos vinham felicíssimos.

Ficaram com a promessa de que nesse verão iriam muitas vezes para o campo, era só a questão dos dias mais oportunos no trabalho do senhor engenheiro.

As saídas dos miúdos para o campo acompanhando o engenheiro Vaz de Carvalho foram-se sucedendo ao longo das férias, sempre para lugares diferentes, assim como para trabalhos diferentes, pelo que se foram familiarizando com todas as actividades do mundo rural, conhecendo quase ao pormenor todo o tipo culturas desde o lançamento das sementes à terra até à recolha da produção, e isto também graças à sua grande curiosidade e à paciência do engenheiro que calmamente lhes explicava tudo.

Toda a gente na povoação começou notar a alteração no comportamento dos miúdos, achavam-nos mais ledos, participantes nas brincadeiras colectivas, sentando-se junto das pessoas, procurando também tomar parte nas conversas, como todas as outras crianças faziam, isto para satisfação de toda a gente.

A mudança operada foi tanta que até os cães e os gatos deixaram de ser esquivos, sendo vistos por todo o lado, pois já não serem importunados com a terrível arma do Zé da Fisga.

Este quando era inquirido por já não usar a fisga, dizia que o Sr. Engenheiro Vaz de Carvalho lhe tinha feito ver que não era bom fazer mal aos animais e aos pássaros.

As férias terminaram e a criançada voltou à escola, o Zé Lagarto e o Zé da Fisga integraram-se nas suas turmas com aplicação redobrada o que levou a D. Leopoldina a bem dizer da ideia do marido, pois aquelas crianças passaram a ser muito diferentes.

Mas em tudo há sempre um senão, a oliveira do largo passou a ser o poiso preferido da passarada, porque a fisga do Zé já não importunava mais e assim, a sua sombra nos dias de calor deixou de ser um lugar aprazível devido ao chilrear ensurdecedor e pior ainda, o cair constante dos seus excrementos em cima dos menos atentos.

Henrique Mateus

SETÚBAL ANTIGA

O rapaz dos passarinhos
(fotografia de Américo Ribeiro)

OS COLONOS

(Edição digital)

Nas últimas décadas do sec. XIX, algumas nações europeias deitaram olhares cobiçosos ao continente negro.

Os sinos em Lisboa tocaram a rebate e a emigração para África ganhou prioridade. A Colónia Sá da Bandeira foi projetada, com régua e esquadro, por volta de 1881, nas secretarias do Ministério da Marinha e Ultramar.

Portugal exportou a pobreza para África. Um punhado de colonos madeirenses foi transplantado da sua ilha para as terras altas do sul de Angola.

Narro a saga de uma dessas famílias. É uma história de amor e também de sonhos, trabalhos, sofrimentos, alegrias, desilusões, combates e morte. Homens e mulheres enraizaram-se na terra e chamaram-lhe sua. Mudaram a África e foram transformados por ela.

António Trabulo

quebralemes

sexta-feira, 3 de maio de 2013